Por esses dias estive estudando escolas para a disciplina de Projetos da faculdade. A turma foi dividida em grupos, que pesquisaram e apresentaram seis diferentes universidades e escolas, cada qual com seu conceito único e diferenciado. Ao meu grupo, coube falar sobre o novo edifício da Cooper Union (foto acima), em Nova Iorque, que agora abriga os cursos de arquitetura, artes e engenharia. Este edifício, projetado pelo escritório Morphosis (projeto aqui http://morphopedia.com/projects/cooper-union), possui como grande diferencial seu inusitado (pra não dizer esquisito) esquema de circulação.
Pra começar, a grande escadaria central articula todos os onze andares e funciona como uma enorme praça onde os alunos podem se encontrar. Para estimular o uso da escada, os elevadores principais param apenas no primeiro, quinto e oitavo andares. Estudando esse esquema de circulação tão diferente é que me dei conta de como a arquitetura é capaz de forjar muitos dos nossos hábitos.
É devido a nossa forma (leia-se: dos arquitetos) de pensar os espaços que criamos hábitos como andar de carro, por exemplo. Se os muitos urbanistas que passaram pelo planejamento urbano de São Paulo tivessem imaginado o caos que se tornariam seus maravilhosos esquemas de avenidas, eu aposto que se teria investido muito mais em metrôs do que em asfalto. É claro que entra aqui o estigma que tem o transporte público brasileiro: “ônibus e metrô é coisa de pobre”. Dessa forma pensa a maioria das pessoas e dessa forma pensam as pessoas no poder, por isso se constroem cidades para os carros. Mas isso é assunto pra outra postagem, voltemos à arquitetura.
Até o hábito de andar ou de subir escadas está associado à forma de estruturar os espaços. Hoje em dia é possível realizar todas as tarefas de um dia sem caminhar mais que duzentos metros. Acordamos de manhã, andamos até o banheiro e a cozinha, depois até o elevador, num apartamento de 200m², isso não pode dar mais que vinte metros, o elevador nos deixa na garagem e caminhamos até o carro, uns trinta metros se o estacionamento for grande, vamos de carro até o estacionamento da empresa, mais uns trinta metros até o elevador, depois mais uns vinte até nossa sala, fazendo o caminho oposto ao ir embora e andamos exatos duzentos metros! E é possível fazer todo o percurso sem trocar duas palavras com outra pessoa. Isso acontece porque os espaços são projetados para andarmos menos e chegarmos o mais rápido possível a qualquer lugar. Chamam isso de comodidade, eu chamo de acomodação.
Agora imagine que o elevador do prédio parasse apenas no primeiro, no quinto e no oitavo andares. Para qualquer outro andar, as escadas se tornariam obrigatórias. E se tornariam ponto de encontro, as pessoas obrigadas a passar pelas escadas estariam sempre esbarrando com algum conhecido. Esta é a proposta do edifício da Cooper Union, criar uma grande “praça vertical” como o próprio escritório Morphosis define.
Na faculdade onde eu estudo existe uma praça, que foi criada com esse intuito, mas muitas vezes não precisamos mudar de prédio, às vezes nem de andar, e mesmo quando precisamos, é possível fazer o caminho sem cruzar com ninguém, assim, praticamente só encontramos a nossa turma e quase não convivemos com o restante da faculdade.
Seguindo este raciocínio, podemos analisar as casas projetadas hoje em dia, com três suítes, sendo que o banheiro do casal é duplo, ou seja, têm duas pias, dois chuveiros, duas banheiras e por aí vai. É claro que cada quarto possui sua TV e seu computador, às vezes até uma pequena geladeira. Nesses apartamentos, as suítes se tornam verdadeiros “bunkers”, onde é possível sobreviver sem ter o menor contato com os demais membros da família. É possível inclusive fazer todo o trajeto descrito anteriormente sem cruzar com ninguém dentro da casa, basta que os horários não sejam exatamente os mesmos.
Então, uma vez que nossos hábitos estão intrinsecamente ligados ao nosso habitat, e somos nós, arquitetos (e urbanistas, paisagistas, designers de interior e todas as outras disciplinas ligadas a planejamento), que projetamos praticamente todos os espaços em que vivemos e convivemos, é em parte nossa responsabilidade se as pessoas não convivem, não conversam, não se vêem, é nossa responsabilidade se as ruas são caóticas, se os transportes não funcionam, se as cidades poluem mais ou menos e tantas outras coisas que eu poderia passar dias listando. Desse modo, cabe a nós estudar, repensar, reprojetar e refazer esses espaços, para que possamos construir casas e consequentemente cidades melhores.
*As imagens pertencem ao Morphosis Arquitects Inc. e estão disponíveis no endereço http://morphopedia.com/projects/cooper-union/gallery/images/1/
*As imagens pertencem ao Morphosis Arquitects Inc. e estão disponíveis no endereço http://morphopedia.com/projects/cooper-union/gallery/images/1/